segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

O Motorista da Montanha





Fomos ao parque de diversões. O meu gosto cultural diverso do gosto do Victor me faz entrar em choque com ele a cada programação nossa. No parque, ainda enquanto comprávamos o ingresso, o Victor sentiu-se apto para fechar o roteiro.

- Já vou para a fila do Carrinho Bate-bate guardar lugar - e saiu abrindo espaço entre a multidão que se expandia.

Compramos os ingressos e permanecemos observando-o na fila sob uma distância suficiente para ele se sentir sozinho nela.

- Venham, estou guardando lugar para todos vocês - teimou ele, ingenuamente.
- Não, Victor, vamos assistir você brincar - dei palavras minhas ao pensamento de todos. - Mas, sério, pode ir. A gente espera.
- Ah, você se sente muito adulto para ir no Carrinho Bate-bate - falou irritado, abdicando de ataques coletivos para desferir críticas individuais, e saiu emburrado, com o corpo inclinado para frente, e pisando forte.
- Ué, Victor, você não vai? - questionou a Maisa.
- Não. Não vou sozinho. Eles são muito adultos para ir também - reiterou ele, agora com todos incluídos na indignação.

A marcha pesada e as expressões faciais de escárnio continuaram até a primeira oportunidade de vingança. Ao chegarmos na Montanha Russa, o Victor iniciou negociações políticas que desembocaram em um complô contra mim. O carrinho da Montanha Russa possuía apenas quatro lugares e estávamos ao todo em cinco pessoas. Não é difícil supor que fui o escolhido para ficar sozinho no carrinho seguinte. Quando subi no assento solitário que me foi destinado, eu quis o carrinho só pra mim. Estirei pernas e braços e ocupei todas as vagas adjacentes.

- Vrum, vrum! - imitei o ronco dos motores.

Acelerei o meu carro rumo montanha acima. Contudo, obrigaram-me a dar carona a três pessoas. Frustrante. A mulher ao meu lado comportava-se igual a uma garotinha órfã. Ela me olhava de esgueira à procura de abrigo. Mas ninguém desceria, o meu carro já estava em movimento. Na subida, ao som dos trec-trec da corrente de tração, engatei a última marcha.

- Bi, bi! - gritei e gesticulei para espantar pedestres imaginários que se punham no caminho.
- Vrum - acelerei novamente.

Próximo à descida, apertei botões, dei um último toque no volante e levantei os braços para descer a ladeira. A mulher órfã reparou que eu estava no comando. Rogou o Pai Nosso nos segundos que restavam. O carro inclinou-se para a frente engolido pelo precipício.

- Heia, Heia - aticei os motores com alguns cavalos de potência.
- Misericóóóórdia - clamou a garota, órfã de pai e adotada pela fé.

O nosso fôlego foi consumido pela descida íngrime. Passeamos sob alta velocidade pela montanha de metal. Alcançamos a chegada com vida. A mulher órfã agradeceu o milagre sagrado da Ressurreição. E me senti divino, porque era eu que conduzia o carrinho. O Motorista da Montanha. Eles eram apenas a carona. Desci incontido. Corri. Abri caminho em meio à multidão aglomerada. "Vrum, vrum", gritei, por fim, manobrando agora as minhas pernas sob alta velocidade para um próximo brinquedo.

PS: imagem de Miki Sato - Optimism in learning how to fly

4 comentários:

  1. Não sabia que você dirigia. hahaha


    (eu avisei, sou incapaz de comentários decentes)

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  2. Adorei o texto, me senti de carona no carrinho também. Muito bom mesmo.

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  3. Uma narração que parte de um acontecimento real e na qual o narrador expõe suas pretensões e assim, se expõe. Nomes reais. Passagens fabulosas. Gostei.

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  4. finalmente eu entrei no blog!!! huhuhuhuh
    adorei, simples e cada detalhe cheio de significados ao mesmo tempo.

    mas o q aconteceu com o victor no final?

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