segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Lou, cura-me

Visitei o psicólogo. 

Imagem Lastscionz - On The Grass




A sala de psicologia exala sempre um ar de insanidade, isso me amedronta. Imaginei um psicólogo carniceiro, com uma coxa de frango em mãos, lentamente saboreada, e me deparei com uma psicóloga até simpática, mas com cara e trejeitos de coruja. Ela me olhava com olhos de perseverança, arregalados. Tenho receio do que ela de fato via. O consultório não ia muito além dessa imagem, um açougue com cabeças e línguas decepadas, tudo coberto com verde musgo que dava um tom natural à paisagem. Não sei se minha imaginação já é um forte indício de loucura, e sobre isso não reflito, como também não concluo coisa alguma. Pelo sim, pelo não, fico com o não, porque ele me favorece. E repeti em voz baixa, “eu não sou louco, eu não sou louco”, sem uma contagem pré-determinada do numero de vezes que a fiz, claro. Essas contagens me remeteriam à loucura, e é dela que em definitivo fujo.

Antes, fui acompanhado pela minha mãe. Senti que sequer a conhecia. Nesses momentos, a solidão toma contornos próprios. Oscilei, por vezes, do repúdio ao destempero da saudade dos anos em que ela me carregava no colo. Como eu já andava por esforço próprio e com as pernas de que ainda disponho, acelerei o passo e tomei distância para me sentir mais livre. A liberdade tem sempre um pingo de solidão, e, como dos efeitos colaterais todos somos vítimas, persisti na largura e na velocidade de uma caminhada que a minha mãe mal podia acompanhar. Segui caminho próprio, com uma desconhecida me seguindo.

Na porta do consultório tinha um, sei lá, corpo sem alma. Ele não estava morto, ainda que isso aparentasse. Tinha dificuldade em se fazer presente. Era quase que uma sombra. Ele era estranho. De certo, nem um pouco normal aparentava ser eu também: uma barba por fazer, uma camisa de estampa estranha e colorida e caluniado na minha mais nova sala de aula. Porém isso ele não desconfia, como também nada comentei.


Refleti. Puxarei assunto: "Olá, você vem sempre aqui?". Não, abordar um paciente assim é quase taxá-lo de doente, e nesse momento todos se valem de suficiente vítima e tudo se transforma em potencial arma, vai lá saber se ele anda com uma caneta assassina no bolso e ideias perversas na mente. A minha mãe até serviria de escudoe. Entretanto, o pescoço dela não resistiria a mais de duas investidas, e o próximo seria o meu. Droga, eu nem para andar com um escudo descente. Nessas horas, eu até me valeria de minhas pernas, e também elas não me decepcionariam, porque, se elas correm pela minha vida, antes elas correm pela vida delas. Contudo, sabe-se lá com que cargas de adrenalina um louco destrambelhado com uma caneta assassina em punho é capaz de produzir e correr. Preferi não puxar assunto, depois minhas palavras desencadeavam as referidas reações e, se ainda tenho dúvida da vida, é evidente que certeza da morte eu teria.

Ele puxou assunto, vociferou: "Eu estou na sua frente na fila". Ele de fato estava, contudo sentiu o dever de impor-se à força. Não questionei. Sem tardar, a psicóloga chegou, perguntou quem estava na frente. Até senti desejo de dizer, "ele precisa mais da senhora do que eu, atenda-o primeiro", porém me faltou coragem, contive-me em apontar para ele, com o dedo trêmulo. Os dedos se degladiaram, nenhum queria responder ao estimulo nervoso se alongando em direção a um homicida, talvez, e ser o responsável por uma inesperada reação. Por fim, apontei com o dedão, porque ele se contorce pior do que os outros, coitado, e tomei isso como motivo de derrota.

Passados vinte minutos, foi minha vez de ser atendido. Valho-me do direito de privacidade e não comentarei aqui, nem fora daqui, aos mais desavisados, do que foi tratado no consultório. Foram semelhantes vinte minutos, porque não era uma consulta, só um pré-agendamento. Sai me sentindo até bem, ainda que meu nome tenha caído para a lista de espera, com duas pessoas na minha frente, uma que não conheço, e que não foi revelado o nome por ética e porque não perguntei, e a outra, o homicida, que do nome desconheço, mas da ficha policial desconfio irregularidades, por motivos muitos. Terei de esperar até Agosto, quando a psicóloga volta de férias, e torcer para que pelo menos duas pessoas sigam o caminho do Céu, ou do Inferno, varia conforme variam nossas práticas. Disso só saberemos no dia do Juízo Final. Espero já estar sendo atendido até lá.

4 comentários:

  1. Acho que te conheço de algum lugar...

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  2. Sua insanidade nos premia. Ela é o pretexto para o texto, para o blog, e até para continuar. Devo agradecê-la por isso. Parece falar de uma consulta apenas, mas fala de algo maior. (Me alcança).

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