sexta-feira, 9 de abril de 2010

Com-ciência social

Erik Jones - James's

Émile Durkheim viveu um momento histórico de notória turbulência, a passagem do Antigo Regime para a Idade Moderna. Influenciado pelas Revoluções, a Francesa e a Industrial, Émile constatara a necessidade patente de formular uma nova ciência que adotasse como objeto de estudo a própria sociedade e que fosse capaz de explicar os fenômenos sociais, suas causas e consequências e seu sistema de ocorrências. Essa emergente ciência deveria adotar o método positivo, apoiado na observação, indução e dedução, semelhante às ciências naturais.

O objeto de estudo da Sociologia é o Fato Social. Segundo Durkheim, o agrupamento das consciências individuais das pessoas que compões a sociedade formaria uma consciência coletiva autônoma. A consciência coletiva resultaria, pois, da somatória das consciências individuais, mas destas se distinguiria. O Fato Social possui vida própria e advém da relação entre os indivícuos da sociedade, dado o seu caráter exterior.

Tânia Quintaneiro, em seu livro "Um toque de Clássicos", elucida a autonomia do Fato Social:

"O grupo possui, portanto, uma mentalidade que não é idêntica à dos individuos, e os estados de consciência coletiva são distintos dos estados de consciência individual. Assim, 'um pensamento encontrado em todas as consciências individuais não são fatos sociais', mas suas encarnações particulares em cada membro da sociedade".

Émile Durkheim enumerara exemplos de fatos sociais:

"Jamais o indivíduo, por si só, poderia ter constituído o que quer que fosse que se assemelhasse à ideia dos deuses, aos mitos e aos dogmas das religiões, à ideia do dever e da disciplina moral, etc".

A educação atua como o maior exemplo de Fato Social. Ela perpetua valores, molda comportamentos e transmite a cultura, as representações coletivas. Pondera Tânia Quintaneiro:

"Por isso a educação 'cria no homem um ser novo', insere-o em uma sociedade, leva-o a compartilhar com outros de uma certa escala de valores, sentimentos, comportamentos. E se as maneiras de agir e sentir próprias de uma sociedade precisam ser transmitidas por meio meio da aprendizagem é porque são externas ao indivíduo".

Os fatos sociais dividem-se em duas camadas singulares de consciência coletiva, as maneiras de agir e as maneiras de ser. A primeira constitui-se mais fluida, mais volétil, sujeita a uma maior alteração no decorrer do tempo. As maneiras de agir são um produto cambiante do momento histórico, são correntes de opinião que impelem com intensidade desigual as sociedades, variam segundo as épocas e países, como, por exemplo, as taxas de natalidade, a idade ideal para o casamento, os níveis de suicídio, etc. As maneiras de ser são entes sociais mais estáveis, já cristalizados na sociedade, menos sujeitos a alterações. Eles são constituidos por sucessivas gerações. São exemplos de maneiras de ser a Moral, os dogmas religiosos, a Estética, os sistemas financeiros e as regras jurídicas.

Constata-se, pois, uma relação hierarquica entre o comportamento individual e a consciência coletiva. Todo indivíduo permanece sujeito às forças imperiosas do ente coletivo. O Fato Social empreende uma função coercitiva. As maneiras de ser e as maneiras de agir, ambas atuam coercitivamente na determinação de condutas individuais.

Os Fatos Sociais expressam sua maneira de interpretar o mundo através das representalções coletivas. Estas, por sua vez, originam-se da relação entre os indivíduos e seu ambiente circunscrito. Lendas, mitos, folclore, concepções religiosas, maneiras de trajar-se, ideias de bondade ou beleza representam notórios exemplos de representações coletivas da realidade.

Outro componente fundamental da consciência coletiva atuante sobre o comportamento individual são os valores de uma sociedade. Os indivíduos são impelidos a adotá-los, a concordar com eles, a perpetuar sua ocorrência, mas não obrigados. O caráter coercitivo dos Fatos Sociais evidencia-se na sua recusa. Caso uma pessoa se negue a adotar os valores da sociedade ou, ainda, caso uma pessoa atue em busca da alteração dos valores de uma sociedade, ela enfrentará a resistência dos demais indivíduos impedindo-a, restringindo sua ação, tentando convencê-la do contrário. O Fato Social, ainda que de caráter exterior ao indivíduo, deve ser entendido como um fator constituinte, interno, da consciência deste.

A resistência à alteração de um Fato Social será tanto maior quanto maior for for a importância deste para a coesão social. Tânia Quintaneiro explica que "as instituições são passíveis de mudança desde que 'vários indivíduos tenham, pelo menos, combinado a sua ação e que desta combinação se tenha desprendido um produto novo' que vem a constituir um novo fato social". E acrescenta: " Enquanto nas sociedades modernas, até mesmo os valores relativos à vida - o aborto, a clonagem humana, a pena de morte ou a eutanásia - podem ser postos em questão, em sociedades tradicionais, os inovadores enfrentam maiores e às vezes insuperáveis resistências. Por isso é que até mesmo "os atos qualificados de crimes não são os mesmos em toda parte".

PS: Referência
QUINTANEIRO, Tânia e outros. Um toque de clássicos. Marx. Durkheim. Weber. Belo Horizonte, Editora da UFMG, 2002.