quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Vivi o eros de Wong Kar-Wai




Numa aula de sueco quase tudo é grito, mesmo que ritmado. Mas não em mim. Só sussurros me acometiam.

Sentávamos lado a lado. A mão de um encontrou a mão do outro. E elas fizeram uma coreografia. Frenética. Delicada. Com e sem direção. Palma no dorso. Palma na palma. Dedos na palma. Dedos nos dedos. Dedos no dorso. Dorso no dorso. E a cada novo gesto mais dependentes as mãos ficavam da consistência e da delicadeza do momento. As partes não se deixavam subjugar pelos valores e vontades dos que a comandavam até então. Não. Sentiam-se autônomas no desejo.

Só alguns minutos transcorreram. Como alguns minutos transcorreriam e transcorrerão. A falta da eternidade parcial e seletiva é a condição para nos livrarmos da outra, total e opressora. Portanto, aceito a efemeridade disto.

Omito o resto da história por ser chata, como a vida e como muitos bons filmes. É certo que não acabou num café intimista, com trilha sonora moderninha, e iluminação indireta.

Mas viajamos com destino, nunca fomos urgentes um ao outro e hoje mantemos uma distância confortável. Sem ilusões desconfortáveis. Nada superará a intimidade subversiva que imaginamos para nós.

Nem mais falamos a mesma língua. Bergman tem legenda. É o que me basta.

P.S.: Kevinandersson (tudo junto?) - It's like chocolate (guardadas as devidas proporções!).

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Um céu em crise





Crise Mundial:a verdadeira cara do neoliberalismo hayekiano
O neoliberalismo hayekiano pressupõe o Estado como guardião da concorrência do setor privado, coletivizando os prejuízos de tais instituições e nunca os lucros
por ÁDIMA DOMINGUES DA ROSA - Revista Sociologia Ciência & Vida

A quebradeira de grandes empresas que atuavam em âmbito internacional e principalmente as norte-americanas, como a GM e alguns bancos, mostrou ao mundo algumas facetas do sistema neoliberal, escancarando a todos como realmente se organiza o sistema de ampla concorrência capitalista e de como os gurus da administração gerem as grandes empresas mundiais. Primeiramente, podemos constatar que, como nos disse Friedrich August von Hayek, nos anos 1930, o Estado serve apenas para proteger o sistema de concorrências das grandes empresas.

"O funcionamento da concorrência não apenas requer a organização adequada de certas instituições como a moeda, os mercados e os canais de informação - algumas das quais nunca poderão ser convenientemente geridas pela iniciativa privada - mas depende, sobretudo, da existência de um sistema legal apropriado, estruturado de modo a manter a concorrência e a permitir que ela produza os resultados mais benéficos possíveis".

Assim, enquanto a empresa é lucrativa, ela não precisa do Estado, pois o que quer é apenas se livrar dele para que possa pagar menos impostos. No entanto, quando a grande empresa começa a dar prejuízos, todos pedem socorro ao Estado. Foi o que vimos fazer o presidente dos Estados Unidos com o sistema financeiro e as grandes empresas norte-americanas. "Centro da crise, os Estados Unidos foram o primeiro país a editar um grande pacote de resgate econômico. Em 1º de outubro de 2008, o Senado americano autorizou o Tesouro a gastar até US$ 700 bilhões para estabilizar o sistema financeiro.

[...]
Os momentos de crise são imprescindíveis para repensarmos nosso sistema político e econômico 

Esses momentos de crise são imprescindíveis para repensarmos nosso sistema político e econômico e, a partir daí, extrairmos conclusões para que possamos orientar nossas decisões futuras para o País. Como o único poder que possuímos é o voto, temos de refletir seriamente sobre os projetos de cada partido que está no poder, analisando cuidadosamente o que eles oferecem e ofereceram ao País.

Como bem vimos no governo do PSDB, mais especificamente no governo de Fernando Henrique Cardoso que dirigiu o País entre 1995 e 2002, seu projeto político e econômico foi de contenção de gastos, orientando os recursos ao pagamento de dívidas com os bancos internacionais. Ou seja, essa política cumpriu o papel de fomentar e incentivar o obscuro sistema financeiro, enquanto os investimentos internos ficaram "secundarizados". Além disso, a abertura da economia ao capital internacional foi responsável pelo aumento do desemprego e quebra das indústrias nacionais. Ainda não devemos esquecer a principal linha política do PSDB, que é a privatização das empresas públicas.

Tanto é que, em seu governo, a detenção de monopólios de empresas por parte do Estado brasileiro era visto como uma "heresia", por isso privatizou inúmeras empresas, como a Vale do Rio Doce. Pelo menos para nós, brasileiros, a política econômica traçada pelos partidos está ficando mais clara: se existem empresas públicas, vamos conservá-las, pois, assim, poderemos dividir tais recursos com gastos voltados para a população. Muitas das nossas riquezas, muitas delas construídas com o esforço da coletividade, já foram transferidas para mãos de poucos.

O discurso de que a concorrência gera qualidade e o monopólio estatal ineficiência foi bastante fragilizado. Atualmente, as poucas empresas públicas brasileiras que sobreviveram à onda privatizante, como a Petrobras, têm obtido resultados positivos, financiando pesquisas e projetos sociais em todos os lugares do Brasil. Isto significa apenas que o projeto de desenvolvimento do País se realiza e concretiza com a manutenção de suas empresas nas mãos do Estado, coletivizando não só prejuízos, quando necessário, mas principalmente os lucros e benefício

PS: imagem de Zara Picken

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

O Motorista da Montanha





Fomos ao parque de diversões. O meu gosto cultural diverso do gosto do Victor me faz entrar em choque com ele a cada programação nossa. No parque, ainda enquanto comprávamos o ingresso, o Victor sentiu-se apto para fechar o roteiro.

- Já vou para a fila do Carrinho Bate-bate guardar lugar - e saiu abrindo espaço entre a multidão que se expandia.

Compramos os ingressos e permanecemos observando-o na fila sob uma distância suficiente para ele se sentir sozinho nela.

- Venham, estou guardando lugar para todos vocês - teimou ele, ingenuamente.
- Não, Victor, vamos assistir você brincar - dei palavras minhas ao pensamento de todos. - Mas, sério, pode ir. A gente espera.
- Ah, você se sente muito adulto para ir no Carrinho Bate-bate - falou irritado, abdicando de ataques coletivos para desferir críticas individuais, e saiu emburrado, com o corpo inclinado para frente, e pisando forte.
- Ué, Victor, você não vai? - questionou a Maisa.
- Não. Não vou sozinho. Eles são muito adultos para ir também - reiterou ele, agora com todos incluídos na indignação.

A marcha pesada e as expressões faciais de escárnio continuaram até a primeira oportunidade de vingança. Ao chegarmos na Montanha Russa, o Victor iniciou negociações políticas que desembocaram em um complô contra mim. O carrinho da Montanha Russa possuía apenas quatro lugares e estávamos ao todo em cinco pessoas. Não é difícil supor que fui o escolhido para ficar sozinho no carrinho seguinte. Quando subi no assento solitário que me foi destinado, eu quis o carrinho só pra mim. Estirei pernas e braços e ocupei todas as vagas adjacentes.

- Vrum, vrum! - imitei o ronco dos motores.

Acelerei o meu carro rumo montanha acima. Contudo, obrigaram-me a dar carona a três pessoas. Frustrante. A mulher ao meu lado comportava-se igual a uma garotinha órfã. Ela me olhava de esgueira à procura de abrigo. Mas ninguém desceria, o meu carro já estava em movimento. Na subida, ao som dos trec-trec da corrente de tração, engatei a última marcha.

- Bi, bi! - gritei e gesticulei para espantar pedestres imaginários que se punham no caminho.
- Vrum - acelerei novamente.

Próximo à descida, apertei botões, dei um último toque no volante e levantei os braços para descer a ladeira. A mulher órfã reparou que eu estava no comando. Rogou o Pai Nosso nos segundos que restavam. O carro inclinou-se para a frente engolido pelo precipício.

- Heia, Heia - aticei os motores com alguns cavalos de potência.
- Misericóóóórdia - clamou a garota, órfã de pai e adotada pela fé.

O nosso fôlego foi consumido pela descida íngrime. Passeamos sob alta velocidade pela montanha de metal. Alcançamos a chegada com vida. A mulher órfã agradeceu o milagre sagrado da Ressurreição. E me senti divino, porque era eu que conduzia o carrinho. O Motorista da Montanha. Eles eram apenas a carona. Desci incontido. Corri. Abri caminho em meio à multidão aglomerada. "Vrum, vrum", gritei, por fim, manobrando agora as minhas pernas sob alta velocidade para um próximo brinquedo.

PS: imagem de Miki Sato - Optimism in learning how to fly

Lou, cura-me

Visitei o psicólogo. 

Imagem Lastscionz - On The Grass




A sala de psicologia exala sempre um ar de insanidade, isso me amedronta. Imaginei um psicólogo carniceiro, com uma coxa de frango em mãos, lentamente saboreada, e me deparei com uma psicóloga até simpática, mas com cara e trejeitos de coruja. Ela me olhava com olhos de perseverança, arregalados. Tenho receio do que ela de fato via. O consultório não ia muito além dessa imagem, um açougue com cabeças e línguas decepadas, tudo coberto com verde musgo que dava um tom natural à paisagem. Não sei se minha imaginação já é um forte indício de loucura, e sobre isso não reflito, como também não concluo coisa alguma. Pelo sim, pelo não, fico com o não, porque ele me favorece. E repeti em voz baixa, “eu não sou louco, eu não sou louco”, sem uma contagem pré-determinada do numero de vezes que a fiz, claro. Essas contagens me remeteriam à loucura, e é dela que em definitivo fujo.

Antes, fui acompanhado pela minha mãe. Senti que sequer a conhecia. Nesses momentos, a solidão toma contornos próprios. Oscilei, por vezes, do repúdio ao destempero da saudade dos anos em que ela me carregava no colo. Como eu já andava por esforço próprio e com as pernas de que ainda disponho, acelerei o passo e tomei distância para me sentir mais livre. A liberdade tem sempre um pingo de solidão, e, como dos efeitos colaterais todos somos vítimas, persisti na largura e na velocidade de uma caminhada que a minha mãe mal podia acompanhar. Segui caminho próprio, com uma desconhecida me seguindo.

Na porta do consultório tinha um, sei lá, corpo sem alma. Ele não estava morto, ainda que isso aparentasse. Tinha dificuldade em se fazer presente. Era quase que uma sombra. Ele era estranho. De certo, nem um pouco normal aparentava ser eu também: uma barba por fazer, uma camisa de estampa estranha e colorida e caluniado na minha mais nova sala de aula. Porém isso ele não desconfia, como também nada comentei.


Refleti. Puxarei assunto: "Olá, você vem sempre aqui?". Não, abordar um paciente assim é quase taxá-lo de doente, e nesse momento todos se valem de suficiente vítima e tudo se transforma em potencial arma, vai lá saber se ele anda com uma caneta assassina no bolso e ideias perversas na mente. A minha mãe até serviria de escudoe. Entretanto, o pescoço dela não resistiria a mais de duas investidas, e o próximo seria o meu. Droga, eu nem para andar com um escudo descente. Nessas horas, eu até me valeria de minhas pernas, e também elas não me decepcionariam, porque, se elas correm pela minha vida, antes elas correm pela vida delas. Contudo, sabe-se lá com que cargas de adrenalina um louco destrambelhado com uma caneta assassina em punho é capaz de produzir e correr. Preferi não puxar assunto, depois minhas palavras desencadeavam as referidas reações e, se ainda tenho dúvida da vida, é evidente que certeza da morte eu teria.

Ele puxou assunto, vociferou: "Eu estou na sua frente na fila". Ele de fato estava, contudo sentiu o dever de impor-se à força. Não questionei. Sem tardar, a psicóloga chegou, perguntou quem estava na frente. Até senti desejo de dizer, "ele precisa mais da senhora do que eu, atenda-o primeiro", porém me faltou coragem, contive-me em apontar para ele, com o dedo trêmulo. Os dedos se degladiaram, nenhum queria responder ao estimulo nervoso se alongando em direção a um homicida, talvez, e ser o responsável por uma inesperada reação. Por fim, apontei com o dedão, porque ele se contorce pior do que os outros, coitado, e tomei isso como motivo de derrota.

Passados vinte minutos, foi minha vez de ser atendido. Valho-me do direito de privacidade e não comentarei aqui, nem fora daqui, aos mais desavisados, do que foi tratado no consultório. Foram semelhantes vinte minutos, porque não era uma consulta, só um pré-agendamento. Sai me sentindo até bem, ainda que meu nome tenha caído para a lista de espera, com duas pessoas na minha frente, uma que não conheço, e que não foi revelado o nome por ética e porque não perguntei, e a outra, o homicida, que do nome desconheço, mas da ficha policial desconfio irregularidades, por motivos muitos. Terei de esperar até Agosto, quando a psicóloga volta de férias, e torcer para que pelo menos duas pessoas sigam o caminho do Céu, ou do Inferno, varia conforme variam nossas práticas. Disso só saberemos no dia do Juízo Final. Espero já estar sendo atendido até lá.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Sou muito parcial




Sessão dupla. Um diretor desconhecido (pra mim) e Almodóvar. 18:30h e 21:00h. Uma sinopse interessante e críticas desinteressantes. Paixões sazonais e paixão paralisante. Atores. De estréias e de carreiras (como é lindo vê-los envelhecer). Beleza contestável e incontestável. A desculpa pode ser a criação de cartões inexpressivos ou um novo nome. O melhor de passar 500 dias com alguém pode ser a percepção de que é possível passar o resto da vida sem esse alguém. Ou simplesmente viajar por poucos dias com alguém e ter a certeza de que a partir dali só restará a vida. O verão sempre será iluminado e contagiante. Mas também sempre será quente e descompromissado. Perceber isso nos leva ao outono, aliviadamente. Darth Vader, desculpe, Mateo Blanco é seu pai. Só um exemplo do que sobrou por ser demasiadamente previsível e por soar artificial diante de uma relação natural. Mas as cores de Pedro continuam intensas e é fácil sentir até vontade de assistir à Chicas y Maletas. Senhoras e senhores, 500 dias com ela e Abraços partidos. Eu aplaudo.


P.S.: à esquerda, agora eu conheço. Mark webb.


P.S.: à direita, mulheres cheias de cores. É fashion, é Phillip Toledano. E é ele.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Entrelinhas de um Mago


Um terceiro Deus
por José Saramago

Creio que as teses de Huntington sobre o “choque de civilizações”, atacadas por uns e celebradas por outros aquando do seu aparecimento, mereceriam agora um estudo mais atento e menos apaixonado. Temo-nos habituado à ideia de que a cultura é uma espécie de panaceia universal e de que os intercâmbios culturais são o melhor caminho para a solução dos conflitos. Sou menos optimista. Creio que só uma manifesta e activa vontade de paz poderia abrir a porta a esse fluxo cultural multidireccional, sem ânimo de domínio de qualquer das suas partes. Essa vontade talvez exista por aí, mas não os meios para a concretizar. Cristianismo e islamismo continuam a comportar-se como inconciliáveis irmãos inimigos incapazes de chegar ao desejado pacto de não agressão que talvez trouxesse alguma paz ao mundo. Ora, já que inventámos Deus e Alá, com os desastrosos resultados conhecidos, a solução talvez estivesse em criar um terceiro deus com poderes suficientes para obrigar os impertinentes desavindos a depor as armas e deixar a humanidade em paz. E que depois esse terceiro deus nos fizesse o favor de retirar-se do cenário onde se vem desenrolando a tragédia de um inventor, o homem, escravizado pela sua própria criação, deus. O mais provável, porém, é que isto não tenha remédio e que as civilizações continuem a chocar-se umas com as outras.


PS: imagem de Sirt.Woot - Friends Are Forever

Sem açucar. E como afeta

A minha imagem predileta.


A arte possui o poder de transformar o espaço circunscrito que aborda. As imagens assinadas pela lente precisa de Sebastião Salgado possibilitam uma rediscussão de sentidos e da funcionalidade da vida e das atividades humanas. Imagem que ch
oca, imagens alegres, imagens sombrias, imagem-palavra. Ela daria um livro.

As fotografias de Sebastião Salgado não vislumbram limites. Não são emplastos machadianos. Tão pouco Versos Íntimos de Augusto, um anjo decaído. Elas não assinalam um final trágico. Ao contrário, apontam a uma mudança. Uma metamorfose da realidade de todo necessaria e, como tal, eminente. Transformação diária.

Preto no branco. Branco no preto. Sebastião Salgado propõe uma investigação patente sobre a linguagem plástica, no que tange aos sentimentos. Suas fotos exploram a expressão corporal como elemento de linguagem. Trata-se de um pensamento dotado da necessária continuidade, de uma sensibilidade sobre-humana.

A produção de Salgado possibilita à população desfavorecida sair da invisibilidade. Um ruído. Uma imagem. Um campo fértil para perseverança.

Extensão. Prolongamento. Tensão. Suas fotografias transmitem mensagens variadas a quem vislumbra esse suspiro de realidade. Adormece o nosso desejo pelo fútil. Conecta-nos com o universo inquieto captado pelas lentes do fotógrafo.

A população oprimida é a sua mais cálida e sincera amiga. E com ela, mantém um trato íntimo, um resgate legítimo, uma visão identificada. Confiram o resultado dessa glorioza amizade nas imagens abaixo.


Fotos de Sebastião Salgado:
Os pobres trabalhadores da terra - Brasil

A luta pela terra. A marcha de uma coluna humana - Brasil

Comunidade acima de Chimborazo - Equador

Wearing sheepskin to protect from cold and humidity - Equador

Índia

Tigre

Refugees in the Korem camp - Etiópia

The Serra Pelada Gold Mine - Brasil

The Serra Pelada Gold Mine - Brasil

Sudão



PS: “A arte não é um espelho para refletir o mundo, mas um martelo para forjá-lo” Maiakovski